Reportagem retrata momentos, curiosidades e grandes valores do instrumento que possui sua história como uma grandiosa essência
POR RAFAEL ARANTES
Um dos mais jovens mestres de bateria da atualidade, Wallan Amaral, da Vila Isabel, é sim um grande apaixonado pela história da cuíca. Criado, literalmente, dentro do ambiente do samba, o atual comandante da Swingueira de Noel revelou uma forte ligação da Azul e Branca com o instrumento, e ainda contou sua visão sobre o papel da peça no conjunto de uma bateria.
Mestre Wallan revelou grande relação da Vila com a cuíca | Foto: Pawel Loj / Divulgação
"Acho que a cuíca tem uma grande importância. Um toque bem marcado, bem compassado, indica perfeitamente o tempo entre as marcações de 1ª e 2ª, há todo um balanço. Na Vila, por exemplo, sempre existiu uma ligação muito forte com o instrumento. Há muitos anos atrás, chegamos a desfilar com 48 cuiqueiros na bateria. É muito especial", disse Wallan, que teve seu argumento de valorização do instrumento reforçado pela visão de Sergio Naidin, julgador de bateria do Grupo Especial do Carnaval carioca.
Sergio Naidin exalta grande valor histórico da cuíca em todo cenário carnavalesco | Foto: Divulgação
Personalidade fez história
Das 40 décadas em que vem fazendo parte da história do Carnaval, Nilsinho Neon dedica-se à cuíca há exatos 26 anos. Muito conhecido por sua forte ligação com o instrumento, o atual líder dos cuiqueiros da Beija-Flor é o responsável pela ideia de utilizar a iluminação de neon durante as apresentações, fato ocorrido pela primeira vez em 1992, além de ser o criador de uma das maiores lendas quando fala-se da história da peça no Carnaval: A misteriosa 'Água de Cuíca'.
Famoso Nilsinho Neon é o grande idealizador da lendária 'Água de Cuíca' | Foto: Divulgação
"Em 1985 fiz uma viagem para Roma, com o Salgueiro, e lá tive uma ideia diferente para ganhar dinheiro. Dei o nome de 'Água de cuíca' para o líquido que usava para molhar o tecido antes de tocar. Na verdade, não há nada de especial, só coloquei uma identidade pessoal nela. Batizei o líquido, coloquei em um tubinho, e assim nasceu a água de cuíca(risos)", contou o Mito, que ainda revelou outra curiosidade do passado do instrumento.
"São muitas diferenças. Antigamente, não havia uma afinação definitiva, utilizavam uma pequena fogueira para esquentar o couro e chegar a um timbre que agradasse. Mas, a cada ano, o samba precisa evoluir. Não podemos ficar parados no tempo, precisamos nos adaptar", ressaltou.
Geraldo construiu grandiosa história na ala de cuiqueiros da Vila Isabel | Foto: Divulgação
Mercado em baixa
Com 46 anos de idade, Geraldo Cardoso vem se dedicando há mais de duas décadas a este instrumento tão especial. Com uma grande história construída dentro da Vila Isabel, o experiente cuiqueiro segue vivenciando diversas mudanças nos costumes dentro das baterias. Neste cenário desde 1987, o sambista ressaltou um fato que, infelizmente, se faz muito presente nos dias de hoje: A ausência de tocadores de cuíca, fato que vem sendo bastante notado e lamentado no Carnaval.
"Antigamente era um outro ritmo, uma pegada mais devagar, sem contar nas demais diferenças. Quando comecei, demorei dois anos para conseguir desfilar, tive que aguardar uma vaga em uma fila de espera. Havia um número maior de ritmistas, mas muita coisa aconteceu. Do pessoal de antigamente, muitos converteram suas religiões, outros se mudaram, e alguns até faleceram. É preciso uma renovação. Tocar cuíca não é tão simples, é necessário uma dedicação a mais e isso, às vezes, acaba afastando algumas pessoas que não possuem uma grande paciência de aprendizado. É preciso perseverança, tem que ter vontade e ir até o final", disse Geraldo, que ainda comentou uma curiosidade do posicionamento estratégico dos cuiqueiros durante os desfiles.
"O instrumento pede que a gente esteja destacado. É preciso estarmos na primeira ou na última fila. Se viermos atrás das peças agudas, ou no meio da bateria, o som da cuíca acabará sendo abafado. É um instrumento especial, é preciso ser estudado", concluiu.
Luís Percussa admira ideia das inovações ritmicas para o instrumento | Foto: Divulgação
Inovações ritmicas
Desfilante há apenas três anos, Luís Oliveira, mais conhecido no Salgueiro como Luís Percussa, já vivenciou momentos distintos dentro da ala de cuiqueiros da Vermelho e Branco. Já acostumado com a sustentação da levada básica durante o desfile, o sambista participou da novidade realizada pelos ritmistas salgueirenses no último Carnaval.
"A ideia partiu do mestre Maurão, da Rocinha. Como não foi utilizada lá, ele acabou passando para o Marcão, que gostou e nos passou o projeto. Com muito ensaio e dedicação, conseguimos desempenhar a ideia de maneira perfeita e levar para a Sapucaí", comentou Luís, ao falar sobre os desenhos ritmicos na levada da cuíca durante a segunda parte do samba. No desfile deste ano, os cuiqueiros da Furiosa levaram para a Avenida um toque diferente em alguns momentos cruciais do samba-enredo, fato que foi exaltado pelo ritmista.
"A ideia partiu do mestre Maurão, da Rocinha. Como não foi utilizada lá, ele acabou passando para o Marcão, que gostou e nos passou o projeto. Com muito ensaio e dedicação, conseguimos desempenhar a ideia de maneira perfeita e levar para a Sapucaí", comentou Luís, ao falar sobre os desenhos ritmicos na levada da cuíca durante a segunda parte do samba. No desfile deste ano, os cuiqueiros da Furiosa levaram para a Avenida um toque diferente em alguns momentos cruciais do samba-enredo, fato que foi exaltado pelo ritmista.
"Como não somos um grupo tão denso, não houve uma percepção muito grande, mas esperamos seguir com o projeto. É uma novidade muito válida, desde que esteja encaixada dentro do samba. Vejo a cuíca como um instrumento de sustentação, mas também é preciso inovar", projetou.
Cuiqueiros do Império Serrano valorizam grande integração do grupo | Foto: Divulgação
Grupo unido e fortificado
Outra inovação notada mais recentemente vem do outro lado da cidade. Em Madureira, os integrantes da ala de cuícas da bateria do Império Serrano também possuem um costume diferente dos demais. Há alguns, os sambistas resolveram marcar constantes encontros entre si, e o fato foi exaltado por Rafael Tavares, ritmista da Sinfônica do Samba há quatro anos.
"Faz muita diferença, é claro. Nós somos uma família, os Cuiqueiros da Sinfônica formam uma grande família. A primeira grande escola que desfilei foi o Império, e lá eu conheci grandes pessoas, grandes amigos. Tenho certeza que a nossa união é sem igual, não tem como comparar, e todos deveriam ser assim. Em algumas outras agremiações que já desfilei, não existe a mesma união, e isso é errado. É preciso valorizar o instrumento, o grupo que trabalha junto. A cuíca é uma peça diferenciada, é preciso vê-la com outros olhos", disse Rafael, que ainda elogiou a grande união dos componentes imperiais. " Nos entendemos pelo olhar, isso já se tornou um ritual", concluiu.
Diante de um instrumento tão tradicional, o estilo mais contemporâneo também vem influenciando algumas transformações. Não são somente danças, coreografias e festejos constantes que seguem modulando um novo cenário entre os cuiqueiros cariocas. A grande essência do instrumento na história do samba vem se mostrando com grande valia para a sustentação deste grande ícone musical para os novos tempos.
Zeca da Cuíca é um dos grandes nomes na história do tradicional instrumento | Foto: Arquivo
fonte: jornal o dia
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